Deputada federal mais votada da história do Rio Grande do Sul, Manuela D'Ávila é, atualmente, a única mulher líder de partido na Câmara
Foto: Divulgação
Ela já foi apontada pela revista Época como uma das 40 personalidades com menos de 40 anos mais influentes do Brasil. O trabalho dela também fez com que o jornal inglês The Independent a considerasse uma das principais líderes mundiais do futuro. Aos 31 anos a deputada federal Manuela D'Ávila (PCdoB-RS), reeleita em 2010 como a candidata mais votada do Brasil e da história do Rio Grande do Sul (482.590 votos), acumula realizações em sua trajetória que acabam tornando difíceis as projeções de onde ainda poderá chegar.
Ao lutar em diversas frentes, como direitos dos estudantes, direitos humanos e minorias políticas, liberdade na internet e acesso à cultura, a jovem deputada conquistou diversos prêmios nos últimos anos. Em 2009, faturou o Parlamentar em Foco, indicada pelos jornalistas e eleita por internautas como "quem melhor representa a população na Câmara".
O mesmo reconhecimento ela teve em 2011, quando foi considerada pelos profissionais de imprensa melhor parlamentar e parlamentar de futuro. No mesmo ano foi indicada pelo Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar) como uma das 100 Cabeças do Congresso.
Com a presidente da República, Dilma Rousseff: "Sim, a mulher pode!"
Foto: Roberto Stuckert Filho
Jornalista formada pela PUC-RS, Manuela D'Ávila iniciou sua trajetória no movimento estudantil em 1999, quando se filiou à União da Juventude Socialista (UJS). Dois anos depois, ingressou na política partidária pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Ela também estudou Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Atualmente, a parlamentar gaúcha é a única mulher líder de partido na Câmara Federal. Uma das homenageadas especiais do EcoD no Dia Internacional da Mulher, ela abriu espaço na sua concorrida agenda de compromissos para nos conceder esta entrevista.
EcoD: Como tem sido a experiência de ser a única mulher líder de partido na Câmara Federal?
Manuela D’Ávila: Sempre brincamos que o nosso partido tem cotas de representatividade masculina (risos), porque apesar de o Congresso ter apenas 8% de representação feminina, a nossa bancada tem 50% de mulheres. Nós não defendemos a participação das mulheres na política apenas no discurso, buscamos tal protagonismo na prática. Acho que priorizar esse protagonismo é dar a elas o espaço para decisões no parlamento, onde as mulheres não são empoderadas. Eu sou a única mulher líder partidária na Câmara hoje.
Cumprimentada pelos colegas ao assumir a liderança nacional do PCdoB no Congresso, onde apenas 8% dos parlamentares são mulheres
Foto: Divulgação
A importância do aumento da participação das mulheres na política, portanto, é uma das tuas principais bandeiras de luta?
Eu sempre gosto de mostrar as imagens, porque elas e os números acabam valendo mais que os nossos discursos, pois a sociedade vive muitas vezes uma realidade distante da política. Em relação a economia, muitos lares já contam com mulheres chefes de família e empresas já são chefiadas por mulheres. Quando queremos trazer essa realidade para o parlamento pode dar a impressão de que estamos nos vitimizando, falando de algo que não existe. Temos que falar nisso porque somos apenas 8% no parlamento. Agora eu carrego comigo uma foto do colégio de líderes, das sessões plenárias, que mostram que praticamente não existimos fisicamente no plenário.
A desproporção entre o número de parlamentares homens e mulheres te incomoda bastante.
Sem dúvida. Quer dizer: 8 em cada 100 [mulheres] não têm visibilidade... As mulheres ainda não existem na política brasileira e isso é uma distorção da realidade. A política é uma das ferramentas da sociedade que nós ainda não transformamos.
E quais são as que foram transformadas?
Em quase três décadas de redemocratização, melhoramos e modernizamos a economia, temos transformado a educação, quando praticamente incluímos todas as crianças no processo educacional, ensino superior (com Pró-Uni, Reuni), vamos transformar o acesso à cultura com o Vale Cultura, modificação da Lei Rouanet e reforma da Lei dos Direitos Autorais (que vamos fazer neste ano), mas ao mesmo tempo nem começamos a reforma política... Quando olhamos para o restante do mundo, vemos que não é isso. O mundo não é 8% de mulheres, a nossa casa, o supermercado, a rua, o ônibus não são 8% de mulheres. Só o parlamento brasileiro.
Não faltam mulheres candidatas também nas próprias legendas?
Culpar as mulheres é o lado mais fácil. É complicado conseguir dinheiro ou ter que aguentar estruturas machistas. Fazer política no Brasil é difícil para qualquer um, quando ouvimos todos os dias que "é lugar de ladrão", "todos são iguais", "quer tirar algum proveito"... Qual é o jovem, qual é a mulher que vai querer entrar na política quando os jornais passam o dia inteiro dizendo que ela não serve para nada e que não passa de um lugar para fazer bandido?
Em campanha, recebendo o carinho da população
Foto: Nabor Goulart / Agência Freelancer
E o que a senhora propõe?
Temos que fazer uma reforma para que todos queiram participar da política a fim de transformá-la: homens e mulheres. Tem que haver formas de financiamento alternativo, porque geralmente os mesmos financiam as campanhas dos mesmos. Quem se elege? Quem já foi eleito. E quem já foi eleito? Os que tiveram mandatos no Executivo, em grande parte, outros têm raízes no poder econômico. E quem são eles? Os homens. Não é uma casualidade que as mulheres detentoras de mandato tenham relação, muitas vezes, com homens que já têm mandato. A questão financeira nesse sistema é determinante. É um círculo vicioso que perpetua os homens no poder.
A senhora acredita em machismo no que diz respeito aos eleitores?
Em última instância não, porque daí não teríamos tido uma presidente da República. Seria uma espécie de contradição, até porque eu mesmo cheguei aqui (Câmara).
Mas há quem afirme que sem a influência do Lula as chances de Dilma vencer seriam reduzidas.
Mas tivemos duas mulheres como as mais votadas nas últimas eleições: Dilma Rousseff e Marina Silva. Agora, que a nossa sociedade ainda é muito machista, eu concordo. Vai levar muito tempo para mudar. Não é da noite para o dia, porque é uma questão cultural. Todos nós temos algum viés preconceituoso em algum sentido. Leva tempo.
Em campanha na região central de Porto Alegre, onde nos últimos anos pavimenta o caminho com a meta de, futuramente, governar a cidade onde nasceu
Foto: Divulgação
O início da sua trajetória foi no movimento estudantil. A senhora chegou a sofrer algum preconceito nesse período, por conta de sua capacidade de liderança e senso de politização, mas, principalmente, por ser mulher?
No movimento estudantil nunca. Porque na universidade tem 50% de mulheres. No parlamento é que não tem.
E no parlamento, já houve alguma postura que tenha lhe constrangido?
Lá é sempre um tratamento adjetivado.
Adjetivado em quê sentido, deputada?
Desde que fui eleita deputada federal sempre fui tratada como a "musa do Congresso Nacional". Preconceitos de gênero. Isso não me incomoda muito porque qualquer mulher, em qualquer lugar, passa por isso. Se eu fosse garçonete eu poderia ser assediada pelo meu patrão. Não penso que eu seja vítima disso mais do que outra mulher. O meu incômodo é igual ao das outras mulheres em boa parte do mundo em razão desse tipo de tratamento.
Nos últimos anos, a ONU criou uma agência específica para lutar pelo empoderamento feminino, a ONU Mulheres. Aqui no Brasil foi eleita a primeira presidente da história do país. Essas conquistas refletem, de certa forma, os avanços da luta das mulheres?
Sim. São simbolismos. Existe uma geração (a minha), que ocupa espaços muito naturalizados e que às vezes não consegue perceber a mudança cultural que está acontecendo, porque ela não é perceptível aos olhos. Aquela frase que a presidenta Dilma costuma dizer e que muitos não conseguem compreender, eu penso que é a que tem o maior valor: "Sim, a mulher pode!".
A força que ela teve de fazer para os partidos indicarem ministras mulheres foi a prova do quanto que a nossa sociedade é atrasada. Hoje essas mulheres estão lá porque a presidenta constrangeu alguns partidos. São avanços concretos - elas são ministras de Estado. E os jornais continuam fazendo comentários jocosos sobre ministras, sobre a roupa que elas vestem, o corte de cabelo, o namorado... Mas uma hora a mudança será feita.
Especial Jovens Mulheres
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